sábado, 7 de outubro de 2017

Os ombros suportam o mundo

Carlos Drumond de Andrade

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.

sábado, 16 de setembro de 2017

Belíssimo


domingo, 27 de agosto de 2017

Deixe-me

Deixe-me sentir ridículo hoje,
como ontem fui ridículo,
como ridículo estou sendo agora.

"Eu, que tenho sofrido
a angústia das pequenas
coisas ridículas..."

domingo, 18 de junho de 2017

segunda-feira, 12 de junho de 2017

Retrato

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Jesus, Alegria dos Homens



"Tão forte é a tradição que as futuras gerações sonharão com aquilo que elas nunca viram." G. K. Chesterton.

domingo, 12 de fevereiro de 2017

sábado, 11 de fevereiro de 2017

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

Uma passagem IV

"A chatice me livra da acusação que mais lamento; a acusação de ser superficial. Mera sofisticação superficial é o que desprezo acima de tudo, e talvez um fato salutar que é disso que geralmente sou acusado."

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Uma passagem III

"Eu sou o homem que com a máxima ousadia descobriu o que já fora descoberto antes."

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

CONCUBINA CHINESA PLANEJA DAR ADEUS AO PADRÃO DE BELEZA AMERICANA

Texto publicado no G1 intitulado  IMPÉRIO CHINÊS DO CINEMA fala do interesse da China em investir em sua própria indústria cinematográfica. Não farei nenhum comentário à matéria jornalística, mas observações à margem.

O cinema é o grande produto de exportação cultural dos EUA e ainda um significativo gerador de riqueza.

Um filme, mesmo décadas após sua produção haver se encerrado, continua rendendo dividendos, seja por exibição na televisão (países de regime mais fechado econômica e politicamente demoram a exibir os filmes), seja por meio de licenciamento de subprodutos (gibis, camisetas, brinquedos etc).

Até hoje o cinema americano soube fagocitar os concorrentes e "americanizar" as produções estrangeiras que ofereciam algum embaraço na disputa da bilheteria.

Sem estender nos exemplos, recentemente isso ocorreu com.os remakes americanos de J-HORROR (O CHAMADO e O GRITO são os mais famosos, mas não os únicos).

No passado fizeram o mesmo com o giallo (um segmento do cinema italiano surgido na década de 70 e  criador dos serial killers [slasher movies], que fariam sucesso no cinema americano dos anos 80 com Jason do SEXTA FEIRA 13 ou Fred Kruger da HORA DO PESADELO). 

Aqui se tratou de uma apropriação estética e temática, não de refilmagem, como no exemplo anterior.

O subgênero citado acima foi criação de caras como Mario Bava, Lucio Fulci e Dario Argento (que já trabalhou em parceria com o George Romero, criador do marco de filmes sobre zumbi, NIGHT OF THE LIVING DEAD), entre vários outros. (Uma curiosidade: o Lucio Fulci em ZOMBIE é o responsável por uma das cenas mais famosa entre os fãs de filme de horror. A cena do “olho”.)

Também fizeram isso com o cinema expressionista alemão, com a nouvelle vague francesa etc etc.

Obviamente os EUA deram contribuições importantes à linguagem cinematográfica.  O faroeste, ressalvando que há os clássicos spaghetti (Sergio Leone se destaca), é subgênero tipicamente americano e contou com diretores do primeiro time como Sam Peckinpah (um dos favoritos do Tarantino).

A importância, não só estética como comercial do giallo, salta aos olhos quando vemos que um filme de 1980, CANNIBAL HOLOCAUST, do Ruggero Deodato, inaugurou o chamado de mockmentary (falso documentário de horror). Apesar de ser bem mais pesado que A BRUXA DE BLAIR a estrutura básica do roteiro deste foi copiada daquele. No mínimo, “inspirada”.

Bem, tudo isso é para dizer que se a China resolver realmente investir pesado na indústria cinematografia, além da guerra comercial agressiva que produzirá, haverá consequências estéticas, pois nesse campo os americanos sempre se mantiveram na dianteira pela facilidade com a qual assimilam a produção externa, incorporando e naturalizando os elementos alienígenas, obtendo como resultado a produção de filmes com uma linguagem tributária das lições estrangeiras, no entanto, com sotaque americano e mais palatável ao grande público.

A briga promete. Resta-nos escolher a poltrona e pegar a pipoca. Uns óculos 3D não são má pedida.

terça-feira, 31 de janeiro de 2017

O mundo nunca sofrerá com a falta de maravilhas...,






"Vou sentar-me e deixar que as maravilhas e aventuras pousem em mim como moscas. Há muitas delas, garanto. O mundo nunca sofrerá com a falta de maravilhas, mas apenas com a falta da capacidade de se maravilhar."

domingo, 29 de janeiro de 2017

sábado, 28 de janeiro de 2017

terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Uma passagem II

"Tão forte é a tradição que as futuras gerações sonharão com aquilo que elas nunca viram." G. K. Chesterton.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Uma passagem

"... o mundo não é mais uma caverna, mas a boa casa 'ordenada' dos homens, grande expectativa de que cada um se prepare para a viagem em direção à outra morada. Se, porém, há somente a opinião do particular, e miríades de opiniões ao redor de inúmeros particulares, e rejeitamos a verdade, antes dizemos que ela não existe, então a respeito de cada coisa e tudo promovemos mútuo intercâmbio de medíocres mentiras; e a vida de cada um de nós, engolida 'no pobre querer de objetos mesquinhos', se apaga, escreve Shopenhauer, 'acompanhada por uma fila de pensamentos triviais'". Michele Federico Sciacca.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

O professor como um zeloso agricultor

Na obra de São Tomás de Aquino, De Magistro, no Artigo 1 das objeções 8, tradução de Luiz Jean Lauand, há a seguinte passagem:

“Diz Agostinho: Só Deus tem a cátedra no céu e Ele ensina a verdade sobre a terra; o homem está para a cátedra como o agricultor para árvore’. Ora, o agricultor não é criador da árvore, mas somente seu cultivador. Assim também o homem não ensina, mas somente dispõe as coisas para que ocorra o conhecimento.”


A imagem do agricultor e seu zelo pela árvore relacionada à do homem que "dispõe as coisas para que ocorra o conhecimento" é grandiosa. Por quê?

Ora, o professor deve ser um observador atento. Deve também estar comprometido com sua tarefa a fim de oferecer aos seus alunos um verdadeiro interesse pelo saber. Procurando – como o agricultor que se dedica à árvore – zelar pela formação de seus discípulos, despertando neles o amor à Verdade. E este amor é a razão de todo o crescimento, de todo desenvolvimento da inteligência.

Não cabe ao agricultor, é evidente, fazer a árvore dar seus frutos, tarefa que vai além de suas forças, mas é de sua responsabilidade sim preparar a terra e estercá-la e semeá-la e molhá-la; em uma palavra: cuidá-la.

O professor, do mesmo modo, não pode ser negligente. Ele usará os métodos mais adequados à formação de seus alunos. E qualquer paliativo, portanto, será prejudicial à constituição dos jovens aprendizes. 

Por exemplo, toda vez que o estudante por preguiça ou covardia reclamar de uma obra clássica, dizendo: é muito difícil; o professor mostrar-lhe-á que isso se trata de uma resistência ao que é belo, ao que é sublime.


Trago uma fala muito comum: os alunos não têm ainda capacidade de apreender tal e tal conteúdo; ou porque moram em algum lugar assim ou assado, ou porque vieram de alguma família problemática, etc. Ora, sendo assim, como possibilitar seu crescimento se a suposição de que ele é incapaz já antecede a qualquer possibilidade?

Se se fala em Aristóteles e Platão, logo se ouve (E eu já ouvi isso de um doutor): são autores antigos. O que é o mesmo que dizer, não servem mais.

Ou ainda: para que serve isso? Para que serve a língua latina se ela está morta? Para que serve Santo Agostinho? São Tomás de Aquino? Com que propósito estudar uma língua datada, autores datados de um período obscurantista do conhecimento? Nós hoje temos autores que nos mostram novos caminhos.


Tenho observado um afastamento do nosso centro Criador e por consequência um enfraquecimento de nossa inteligência. Assim como as ondas formadas em um lago e, após o lançamento de uma pedra, vão se espalhando em círculos concêntricos de modo que se enfraquecem à medida que se afastam do ponto comum que as originou.


Então, qualquer trabalho em sala de aula que se tenha em vista apenas a preocupação de estar cumprindo a grade, será um desserviço à inteligência. É-se necessário ir além, sob pena de que o professor, agora mal comparado ao agricultor, nada mais será que um mero assinante de ponto para contabilizar suas horas de "trabalho" e ter seu salário garantido.

E digo mais, tantas são as formas de embrutecimento que chega ser duro de acreditar. Lamentável.

domingo, 8 de janeiro de 2017

A partida

Ao caminhar até a porta,
ficou algo, tu ouviste?
É já o tempo ido.

Vi teus olhos
e nestes se anunciava,
através dos meus,
a partida.

Caminhamos de

mãos dadas até
a estação.

E lá,

despedindo-me,
olhei para trás
e soprei-te um beijo,

como se vento fosse.

E quando já 
não
te via mais,
voltei.

Entretanto,

naquele lugar de espera,
só me restava a

lembrança de
te ver partir.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

Simples assim


O Doutor da Graça

"Quando rezamos falamos com Deus, quando lemos é Deus que nos fala." S. Jerônimo.

Estudando a obra de Santo Agostinho, O Livre-Arbítrio, deparei-me com uma passagem que me chamou realmente atenção: Se não acreditardes não entendereis. Foi compreendendo-a que pude sair do lugar em que me encontrava para outro que estava adormecido em mim.

Com efeito, afastado de minha condição teomórfica, para usar uma expressão utilizada por Eric Voegelin em sua monumental obra Hitler e os Alemães, eu não conseguia acreditar sem antes entender. Era necessário, pois, que eu entendesse para acreditar.

Mutatis mutandis, esse modo de ser parece típico do homem moderno, que tem na ciência o princípio e o fim de todas as coisas, esquecendo-se de sua origem. Por isso que do ponto de vista da filosofia moderna, de acordo com Étienne Gilson, “a prova da existência de Deus é uma das ambições mais altas da metafísica; nenhuma tarefa é mais difícil, a tal ponto que alguns a estimam como impossível.” Por outro lado, porém, “para santo Agostinho e para aqueles que mais tarde se inspiraram em seu pensamento, provar a existência de Deus [...] parece uma tarefa tão fácil que basta empenhar-se nisso.”

Então o homem cindido e cheio de si procura no vasto campo de sua experiência encontrar respostas às perguntas que ele faz e se diz por sua vez autorizado em responder. Em outros termos, é uma busca que tem começo nele e acaba nele mesmo. Por isso ser assim, um exame que busque compreendê-lo a partir de sua condição divina se é visto como impossível.

Observe a postura de um Auguste Comte, por exemplo. Veja o quanto fora atrevido na pretensão de fazer de sua ciência positiva a atalaia para os séculos vindouros.

E de Marx (um burguês), que era filho de advogado, sustentado pelo amigo Engels, um industrial, que segundo o próprio Marx, Engels seria o pior tipo de burguês. Ora bem, algo assim é ou não fruto da loucura. Por favor.

Ademais, não falo aqui como se me colocasse conforme alguém que sabe tudo, em absoluto. Falo tão somente para registrar o quanto estava equivocado na minha busca e equivocado colocava Deus como objeto de minhas questões mesquinhas. Pobre criatura.

E Santo Agostinho ajudou-me a retornar a Deus, e me ensinou que sem Ele nada posso, nada sou. Porque nos fizeste para ti, diz Agostinho, e nosso coração está inquieto enquanto não encontrar em ti descanso.

Lembro-me, para finalizar, do meu tempo de escola secundária, cresci ouvindo de alguns maus professores que a Idade Média fora o período das trevas em matéria de conhecimento. Que horror!

Levei algum tempo para descobrir que aquilo que chamam “século das luzes” se afina muito mais às trevas do que à luz.

Dez princípios conservadores

Por Russel K

Por Russel Kirk

Introdução e tradução do Pe. Paulo Ricardo de Azevedo Júnior

Não sendo nem uma religião nem uma ideologia, o conjunto de opiniões designado como conservadorismo não possui nem uma Escritura Sagrada nem um Das Kapital que lhe forneça um dogma. Na medida em que seja possível determinar o que os conservadores crêem, os primeiros princípios do pensamento conservador provêm daquilo que professaram os principais escritores e homens públicos conservadores ao longo dos últimos dois séculos. Sendo assim, depois de algumas observações introdutórias a respeito deste tema geral, eu irei arrolar dez destes princípios conservadores.

Talvez seja mais apropriado, a maior parte das vezes, usar a palavra “conservador” principalmente como adjetivo. Já que não existe um Modelo Conservador, sendo o conservadorismo, na verdade, a negação da ideologia: trata-se de um estado da mente, de um tipo de caráter, de uma maneira de olhar para ordem social civil.

A atitude que nós chamamos de conservadorismo é sustentada por um conjunto de sentimentos, mais do que por um sistema de dogmas ideológicos. É quase verdade que um conservador pode ser definido como sendo a pessoa que se acha conservadora. O movimento ou o conjunto de opiniões conservadoras pode comportar uma diversidade considerável de visões a respeito de um número considerável de temas, não havendo nenhuma Lei do Teste (Test Act)1 ou Trinta e Nove Artigos (Thirty-Nine Articles)2 do credo conservador.

Em suma, uma pessoa conservadora é simplesmente uma pessoa que considera as coisas permanentes mais satisfatórias do que o “caos e a noite primitiva”3. (Mesmo assim, os conservadores sabem, como Burke, que a saudável “mudança é o meio de nossa preservação”). A continuidade da experiência de um povo, diz o conservador, oferece uma direção muito melhor para a política do que os planos abstratos dos filósofos de botequim. Mas é claro que a convicção conservadora é muito mais do que esta simples atitude genérica.

Não é possível redigir um catálogo completo das convicções conservadoras; no entanto, ofereço aqui, de forma sumária, dez princípios gerais; tudo indica que se possa afirmar com segurança que a maioria dos conservadores subscreveria a maior parte destas máximas. Nas várias edições do meu livro The Conservative Mind, fiz uma lista de alguns cânones do pensamento conservador – a lista foi sendo levemente modificada de uma edição para a outra edição; em minha antologia The Portable Conservative Reader, ofereço algumas variações sobre este assunto. Agora, lhes apresento uma resenha dos pontos de vista conservadores que difere um pouco dos cânones que se encontram nestes meus dois livros. Por fim, as diferentes maneiras através das quais as opiniões conservadoras podem se expressar são, em si mesmas, uma prova de que o conservadorismo não é uma ideologia rígida. Os princípios específicos enfatizados pelos conservadores, em um dado período, variam de acordo com as circunstâncias e as necessidades daquela época. Os dez artigos de convicções abaixo refletem as ênfases dos conservadores americanos da atualidade.
1 Test Act - Lei inglesa de 1673 que exigia dos titulares de cargos civis e militares professarem a fé da Igreja Anglicana através de uma fórmula de juramento (N. do T.).
2 Declaração oficial da doutrina da Igreja Anglicana (N. do T.).
3 A frase "Chaos and old Night" provém do poema épico de John Milton Paradise Lost (Book I; line 544). Milton usa esta frase para se referir à “matéria” a partir da qual Deus ordenou e criou o mundo (N. do T.).

Primeiro, um conservador crê que existe uma ordem moral duradoura.

Esta ordem é feita para o homem, e o homem é feito para ela: a natureza humana é uma constante e as verdades morais são permanentes.

Esta palavra ordem quer dizer harmonia. Há dois aspectos ou tipos de ordem: a ordem interior da alma e a ordem exterior do estado. Vinte e cinco séculos atrás, Platão ensinou esta doutrina, mas hoje em dia até as pessoas instruídas acham difícil de compreendê-la. O problema da ordem tem sido uma das principais preocupações dos conservadores desde que a palavra conservador se tornou um termo político.

O nosso mundo do século XX experimentou as terríveis conseqüências do colapso na crença em uma ordem moral. Assim como as atrocidades e os desastres da Grécia do V século a.C., a ruína das grandes nações, em nosso século, nos mostra o poço dentro do qual caem as sociedades que fazem confusão entre o interesse pessoal, ou engenhosos controles sociais, e as soluções satisfatórias da ordem moral tradicional.

Foi dito pelos intelectuais progressistas que os conservadores acreditam que todas as questões sociais, no fundo, são uma questão de moral pessoal. Se entendida corretamente esta afirmação é bastante verdadeira. Uma sociedade onde homens e mulheres são governados pela crença em uma ordem moral duradoura, por um forte sentido de certo e errado, por convicções pessoais sobre a justiça e a honra, será uma boa sociedade – não importa que mecanismo político se possa usar; enquanto se uma sociedade for composta de homens e mulheres moralmente à deriva, ignorantes das normas, e voltados primariamente para a gratificação de seus apetites, ela será sempre uma má sociedade – não importa o número de seus eleitores e não importa o quanto seja progressista sua constituição formal.

Segundo, o conservador adere ao costume, à convenção e à continuidade.

É o costume tradicional que permite que as pessoas vivam juntas pacificamente; os destruidores dos costumes demolem mais do que o que eles conhecem ou desejam. É através da convenção – uma palavra bastante mal empregada em nossos dias – que nós conseguimos evitar as eternas discussões sobre direitos e deveres: o Direito é fundamentalmente um conjunto de convenções. Continuidade é uma forma de atar uma geração com a outra; isto é tão importante para a sociedade com o é para o indivíduo; sem isto a vida seria sem sentido. Revolucionários bem sucedidos conseguem apagar os antigos costumes, ridicularizar as velhas convenções e quebrar a continuidade das instituições sociais – motivo pelo qual, nos últimos tempos, eles têm descoberto a necessidade de estabelecer novos costumes, convenções e continuidade; mas este processo é lento e doloroso; e a nova ordem social que eventualmente emerge pode ser muito inferior à antiga ordem que os radicais derrubaram em seu zelo pelo Paraíso Terrestre.

Os conservadores são defensores do costume, da convenção e da continuidade porque preferem o diabo conhecido ao diabo que não conhecem. Eles crêem que ordem, justiça e liberdade são produtos artificiais de uma longa experiência social, o resultado de séculos de tentativas, reflexão e sacrifício. Por isto, o organismo social é uma espécie de corporação espiritual, comparável à Igreja; pode até ser chamado de comunidade de almas. A sociedade humana não é uma máquina, para ser tratada mecanicamente. A continuidade, a seiva vital de uma sociedade não pode ser interronpida. A necessidade de uma mudança prudente, recordada por Burke, está na mente de um conservador. Mas a mudança necessária, redargúem os conservadores, deve ser gradual e descriminativa, nunca se desvencilhando de uma só vez dos antigos cuidados.

Terceiro, os conservadores acreditam no que se poderia chamar de princípio do preestabelecimento.

Os conservadores percebem que as pessoas atuais são anões nos ombros de gigantes, capazes de ver mais longe do que seus ancestrais apenas por causa da grande estatura dos que nos precederam no tempo. Por isto os conservadores com freqüência enfatizam a importância do preestabelecimento – ou seja, as coisas estabelecidas por costume imemorial, de cujo contrário não há memória de homem que se recorde. Há direitos cuja principal ratificação é a própria antiguidade – inclusive, com freqüência, direitos de propriedade. Da mesma forma a nossa moral é, em grande parte, preestabelecida. Os conservadores argumentam que seja improvável que nós modernos façamos alguma grande descoberta em termos de moral, de política ou de bom gosto. É perigoso avaliar cada tema eventual tendo como base o julgamento pessoal e a racionalidade pessoal. O indivíduo é tolo, mas a espécie é sábia, declarou Burke. Na política nós agimos bem se observarmos o precedente, o preestabelecido e até o preconceito, porque a grande e misteriosa incorporação da raça humana adquiriu uma sabedoria prescritiva muito maior do que a mesquinha racionalidade privada de uma pessoa.

Quarto, os conservadores são guiados pelo princípio da prudência.

Burke concorda com Platão que entre os estadistas a prudência é a primeira das virtudes. Toda medida política deveria ser medida a partir das prováveis conseqüências de longo prazo, não apenas pela vantagem temporária e pela popularidade. Os progressistas e os radicais, dizem os conservadores, são imprudentes: porque eles se lançam aos seus objetivos sem dar muita importância ao risco de novos abusos, piores do que os males que esperam varrer. Como diz John Randolph of Roanoke, a Providência se move devagar, mas o demônio está sempre com pressa. Sendo a sociedade humana complexa, os remédios não podem ser simples, se desejam ser eficazes. O conservador afirma que só agirá depois de uma reflexão adequada, tendo pesado as conseqüências. Reformas repentinas e incisivas são tão perigosas quanto as cirurgias repentinas e incisivas.

Quinto, os conservadores prestam atenção no princípio da variedade.

Eles gostam do crescente emaranhado de instituições sociais e dos modos de vida tradicionais, e isto os diferencia da uniformidade estreita e do igualitarismo entorpecente dos sistemas radicais. Em qualquer civilização, para que seja preservada uma diversidade sadia, devem sobreviver ordens e classes, diferenças em condições materiais e várias formas de desigualdade. As únicas formas verdadeiras de igualdade são a igualdade do Juízo Final e a igualdade diante do tribunal de justiça; todas as outras tentativas de nivelamento irão conduzir, na melhor das hipóteses, à estagnação social. Uma sociedade precisa de liderança honesta e capaz; e se as diferenças naturais e institucionais forem abolidas, algum tirano ou algum bando de oligarcas desprezíveis irá rapidamente criar novas formas de desigualdade.

Sexto, os conservadores são refreados pelo princípio da imperfectibilidade.

A natureza humana sofre irremediavelmente de certas falhas graves, bem conhecidas pelos conservadores. Sendo o homem imperfeito, nenhuma ordem social perfeita poderá jamais ser criada. Por causa da inquietação humana, a humanidade tornar-se-ia rebelde sob qualquer dominação utópica e se desmantelaria, mais uma vez, em violento desencontro – ou então morreria de tédio. Buscar a utopia é terminar num desastre, dizem os conservadores: nós não somos capazes de coisas perfeitas. Tudo o que podemos esperar razoavelmente é uma sociedade que seja sofrivelmente ordenada, justa e livre, na qual alguns males, desajustes e desprazeres continuarão a se esconder. Dando a devida atenção à prudente reforma, podemos preservar e aperfeiçoar esta ordem sofrível. Mas se os baluartes tradicionais de instituição e moralidade de uma nação forem negligenciados, se dá largas ao impulso anárquico que está no ser humano: “afoga-se o ritual da inocência”4. Os ideólogos que prometem a perfeição do homem e da sociedade transformaram boa parte do século XX em um inferno terrestre.
4 William Buttler Yeats, The Second Coming (N. do T.).

Sétimo, conservadores estão convencidos que liberdade e propriedade estão intimamente ligadas.

Separe a propriedade do domínio privado e Leviatã se tornará o mestre de tudo. Sobre o fundamento da propriedade privada, construíram-se grandes civilizações. Quanto mais se espalhar o domínio da propriedade privada, tanto mais a nação será estável e produtiva. Os conservadores defendem que o nivelamento econômico não é progresso econômico. Aquisição e gasto não são as finalidades principais da existência humana; mas deve-se desejar uma sólida base econômica para a pessoa, a família e o estado. Sir Henry Maine, em sua Village Communities, defende vigorosamente a causa da propriedade privada, como diferente da propriedade pública: “Ninguém pode ao mesmo tempo atacar a propriedade privada e dizer que aprecia a civilização. A história destas duas realidades não pode ser desintrincada”. Pois a instituição da propriedade privada tem sido um instrumento poderoso, ensinando a responsabilidade a homens e mulheres, dando motivos para a integridade, apoiando a cultura geral e elevando a humanidade acima do nível do mero trabalho pesado, proporcionando tempo livre para pensar e liberdade para agir. Ser capaz de guardar o fruto do próprio trabalho; ser capaz de ver o próprio trabalho transformado em algo de duradouro; ser capaz de deixar em herança a sua propriedade para sua posteridade; ser capaz de se erguer da condição natural da oprimente pobreza para a segurança de uma realização estável; ter algo que é realmente propriedade pessoal – estas são vantagens difíceis de refutar. O conservador reconhece que a posse de propriedade estabelece certos deveres do possuidor; ele reconhece com alegria estas obrigações morais e legais.

Oitavo, os conservadores promovem comunidades voluntárias, assim como se opõem ao coletivismo involuntário.

Embora os americanos tenham se apegado vigorosamente aos direitos privados e de privacidade, também têm sido um povo conhecido por seu bem sucedido espírito comunitário. Na verdadeira comunidade, as decisões que afetam de forma mais direta as vidas dos cidadãos são tomadas no âmbito local e de forma voluntária. Algumas destas funções são desempenhadas por organismos políticos locais, outras por associações privadas: enquanto permanecem no âmbito local e são caracterizadas pelo comum acordo das pessoas envolvidas, elas constituem comunidades saudáveis. Mas quando as funções, quer por deficiência, quer por usurpação, passam para uma autoridade central, a comunidade se encontra em sério perigo. Se existe algo de benéfico ou prudente em uma democracia moderna, isto se dá através da volição cooperativa. Se, então, em nome de uma democracia abstrata, as funções da comunidade são transferidas para uma coordenação política distante, o governo verdadeiro, através do consentimento dos governados, cede lugar para um processo de padronização hostil à liberdade e à dignidade humanas.
Uma nação não é mais forte do que as numerosas pequenas comunidades pelas quais é composta. Uma administração central, ou um grupo seleto de administradores e servidores públicos, por mais bem intencionado e bem treinado que seja, não pode produzir justiça, prosperidade e tranqüilidade para uma massa de homens e mulheres privada de suas responsabilidades de outrora. Esta experiência já foi feita; e foi desastrosa. É a realização de nossos deveres em comunidade que nos ensina a prudência, a eficiência e a caridade.

Nono, o conservador percebe a necessidade de uma prudente contenção do poder e das paixões humanas.

Politicamente falando, poder é a capacidade de se fazer aquilo que se queira, a despeito da aspiração dos próprios companheiros. Um estado em que um indivíduo ou um pequeno grupo é capaz de dominar as aspirações de seus companheiros sem controles é um despotismo, quer seja monárquico, aristocrático ou democrático. Quando cada pessoa pretende ser um poder em si mesmo, então a sociedade se transforma numa anarquia. A anarquia nunca dura muito tempo, já que, sendo intolerável para todos e contrária ao fato irrefutável de que algumas pessoas são mais fortes e espertas do que seus próximos. À anarquia sucede a tirania ou a oligarquia, nas quais o poder é monopolizado por pouquíssimos.
O conservador se esforça por limitar e balancear o poder político para que não surjam nem a anarquia, nem a tirania. No entanto, em todas as épocas, homens e mulheres foram tentados a derrubar os limites colocados sobre o poder, a favor de um capricho temporário. É uma característica do radical que ele pense o poder como uma força para o bem – desde que o poder caia em suas mãos. Em nome da liberdade, os revolucionários franceses e russos aboliram os limites tradicionais ao poder; mas o poder não pode ser abolido; e ele sempre acha um jeito de terminar nas mãos de alguém. O poder que os revolucionários pensavam ser opressor nas mãos do antigo regime, tornou-se muitas vezes mais tirânico nas mãos dos novos mestres do estado.
Sabendo que a natureza humana é uma mistura do bem e do mal, o conservador não coloca sua confiança na mera benevolência. Restrições constitucionais, freios e contrapesos políticos (checks and balances), correta coerção das leis, a rede tradicional e intricada de contenções sobre a vontade e o apetite – tudo isto o conservador aprova como instrumento de liberdade e de ordem. Um governo justo mantém uma tensão saudável entre as reivindicações da autoridade e as reivindicações da liberdade.

Décimo, o pensador conservador compreende que a estabilidade e a mudança devem ser reconhecidas e reconciliadas em uma sociedade robusta.

O conservador não se opõe ao aprimoramento da sociedade, embora ele tenha suas dúvidas sobre a existência de qualquer força parecida com um místico Progresso, com P maiúsculo, em ação no mundo. Quando uma sociedade progride em alguns aspectos, geralmente ela está decaindo em outros. O conservador sabe que qualquer sociedade sadia é influenciada por duas forças, que Samuel Taylor Coleridge chamou de Conservação e Progressão (Permanence and Progression). A Conservação de uma sociedade é formada pelos interesses e convicções duradouros que nos dão estabilidade e continuidade; sem esta a Conservação as fontes do grande abismo se dissolvem, a sociedade resvala para a anarquia. A Progressão de uma sociedade é aquele espírito e conjunto de talentos que nos instiga a realizar uma prudente reforma e aperfeiçoamento; sem esta Progressão, um povo fica estagnado. Por isto o conservador inteligente se esforça por reconciliar as reivindicações da Conservação e as reivindicações da Progressão. Ele pensa que o progressista e o radical, cegos aos justos reclamos da Conservação, colocariam em perigo a herança que nos foi legada, num esforço de nos apressar na direção de um duvidoso Paraíso Terrestre. O conservador, em suma, é a favor de um razoável e moderado progresso; ele se opõe ao culto do Progresso, cujos devotos crêem que tudo o que é novo é necessariamente superior a tudo o que é velho.

O conservador raciocina que a mudança é essencial para um corpo social da mesma forma que o é para o corpo humano. Um corpo que deixou de se renovar, começou a morrer. Mas se este corpo deve ser vigoroso, a mudança deve acontecer de uma forma harmoniosa, adequando-se à forma e à natureza do corpo; do contrário a mudança produz um crescimento monstruoso, um câncer que devora o seu hospedeiro. O conservador cuida para que numa sociedade nada nunca seja completamente velho e que nada nunca seja completamente novo. Esta é a forma de conservar uma nação, da mesma forma que é o meio de conservar um organismo vivo. Quanta mudança seja necessária em uma sociedade, e que tipo de mudança, depende das circunstâncias de uma época e de uma nação.