terça-feira, 9 de novembro de 2010

Passado, presente e futuro

Esta modesta e temerária reflexão nasceu a partir da belíssima passagem acerca do tempo nas Confissões de Santo Agostinho, o Doutor da Graça. Há também uma única passagem em O Livre-Arbítrio a respeito do tempo. Mas aquel'outra me chamou mais atenção que esta.


Em seu livro Confissões, no capítulo que fala sobre o tempo, Santo Agostinho começa com uma pergunta: o que é o tempo? Em seguida continua dizendo não houve tempo nenhum em que não fizésseis alguma coisa, pois fazíeis o próprio tempo.

O que é, pois, o tempo? Insiste na pergunta. Para Agostinho também não há assunto mais batido e examinado nas conversas. Mas quando nos perguntam sobre o tempo já nada sabemos a respeito dele.

O tempo é dividido em três partes: o tempo passado, o tempo presente e o tempo futuro.

Ora bem, se dissermos que o tempo passado existe, estaríamos em erro, porquanto o passado só existe na lembrança. O tempo passado em si mesmo já não existe. Ademais, as lembranças são imagens ocorridas de algo que se passou. O passado portanto não existe enquanto realidade atual. (...) o passado já não existe....

Quanto ao presente, o Doutor da Graça emprega um raciocínio semelhante, já que o tempo presente, no instante que se manifesta, não é mais presente. Logo, passa para o tempo passado. Quanto ao presente, se fosse sempre presente, e não passasse para o pretérito. Como podemos afirmar que ele existe, se a causa da sua existência é a mesma pela qual deixará de existir? Fica provado que o tempo presente também não existe em razão de sua não permanência como tempo presente e deste modo se torna passado. E como vimos o passado não existe. Segue-se daí que o tempo presente não existe igualmente.

Por fim, quanto ao tempo futuro, podemos dizer que é um tempo que ainda não veio, in fieri. Ou seja, se ele ainda está por vir, não existe e se não existe como concluirmos algo a partir do que não há. Onde existe, portanto, o tempo que podemos chamar longo? Será o futuro? Se o futuro existe, existe como uma possibilidade. Logo não existe o tempo futuro, conforme não existe o passado e depois o presente. De mais a mais, afirma o Doutor da Graça n’O Livre-Arbítrio: Pois as coisas temporais nada são antes de existirem; ao existirem, passam; e tendo passado, voltam ao nada. Logo, quando são futuras ainda não existem; ao terem passado não existirão mais.

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Talvez algum desocupado leitor redarguisse: se não existe vá então para o embarque depois da hora determinada. Experimente fazê-lo e não embarcará. Assim, pois, comprovará a existência do tempo.

Respondo: mesmo que não leve a sério o horário de partida, não partindo; uma coisa é certa, todos os instantes que se sucedem, aumentam a distância entre o ocorrido e o tempo presente. O tempo que se deu, é o passado, e já não existe mais. E o mesmo com relação ao presente e ao futuro, pela exposição acima.

Ademais, ser negligente à hora marcada não quer dizer necessariamente que os tempos passado, presente e futuro existam. Parece que o passado, o presente e o futuro não são capturáveis em ponteiros de relógios. De fato, como pois retê-las a fim de que permaneçam, essas realidades para as quais iniciar a existir é idêntico a caminhar para o nada?