terça-feira, 14 de dezembro de 2010

O que vem de dentro

"... As cantigas são tão boas... Lavam as almas dos pecadores! Levam as almas dos pecadores." (Jorge de Lima)

Outro dia dei-me conta duma bobagem que, sinceramente, não sei se vale um tempo precioso para revelá-la, mas não sei por que cargas d’água resolvi expressá-la.
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Bem,  a bobagem é a seguinte: o que vem de dentro é bom. Explico-me.

Começo pelo ato mais simples: ir ao banheiro. Que prazer sentimos nessa ação, quer dizer, ações, porque duas: número 1 e número 2. Não quero ter-me às minúcias, mas tão somente  à sensação de prazer.

Um outro ato simples, mas bastante expressivo, é o prazer de tirarmos uma meleca. Hummm, perdemo-nos esquecidos no tempo, distraídos, não é!

E o espirro? Quando espirramos sentimos um alívio, que nos faz desejar espirrar de novo.

E o que falar do vômito? Ressalte-se que não podemos confundir a sensação de bem-estar logo após vomitarmos, com a de não gostar de vomitar, são coisas distintas. O fato é que a vomição é reparadora.

Quanto ao riso, quem aqui já riu a ponto de sentir a barriga doer? O riso é reparador, nos expurga.

E o choro? Este também repara, lava nossa alma, retira de nós uma dor maior, ou ao menos a alivia. Aliás, riso e choro muitas vezes se confundem. Quando rimos em demasia, lágrimas; e do choro, risos.

Não nos esqueçamos ainda da vontade de comer e da sede. São sensações que vêem de dentro  e, uma vez realizadas, nos trazem também grande satisfação.

De resto, se faltou alguma BOA sensação é porque não me lembro. Ademais, quanto às coisas negativas, abstenho-me de falar.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Passado, presente e futuro

Esta modesta e temerária reflexão nasceu a partir da belíssima passagem acerca do tempo nas Confissões de Santo Agostinho, o Doutor da Graça. Há também uma única passagem em O Livre-Arbítrio a respeito do tempo. Mas aquel'outra me chamou mais atenção que esta.


Em seu livro Confissões, no capítulo que fala sobre o tempo, Santo Agostinho começa com uma pergunta: o que é o tempo? Em seguida continua dizendo não houve tempo nenhum em que não fizésseis alguma coisa, pois fazíeis o próprio tempo.

O que é, pois, o tempo? Insiste na pergunta. Para Agostinho também não há assunto mais batido e examinado nas conversas. Mas quando nos perguntam sobre o tempo já nada sabemos a respeito dele.

O tempo é dividido em três partes: o tempo passado, o tempo presente e o tempo futuro.

Ora bem, se dissermos que o tempo passado existe, estaríamos em erro, porquanto o passado só existe na lembrança. O tempo passado em si mesmo já não existe. Ademais, as lembranças são imagens ocorridas de algo que se passou. O passado portanto não existe enquanto realidade atual. (...) o passado já não existe....

Quanto ao presente, o Doutor da Graça emprega um raciocínio semelhante, já que o tempo presente, no instante que se manifesta, não é mais presente. Logo, passa para o tempo passado. Quanto ao presente, se fosse sempre presente, e não passasse para o pretérito. Como podemos afirmar que ele existe, se a causa da sua existência é a mesma pela qual deixará de existir? Fica provado que o tempo presente também não existe em razão de sua não permanência como tempo presente e deste modo se torna passado. E como vimos o passado não existe. Segue-se daí que o tempo presente não existe igualmente.

Por fim, quanto ao tempo futuro, podemos dizer que é um tempo que ainda não veio, in fieri. Ou seja, se ele ainda está por vir, não existe e se não existe como concluirmos algo a partir do que não há. Onde existe, portanto, o tempo que podemos chamar longo? Será o futuro? Se o futuro existe, existe como uma possibilidade. Logo não existe o tempo futuro, conforme não existe o passado e depois o presente. De mais a mais, afirma o Doutor da Graça n’O Livre-Arbítrio: Pois as coisas temporais nada são antes de existirem; ao existirem, passam; e tendo passado, voltam ao nada. Logo, quando são futuras ainda não existem; ao terem passado não existirão mais.

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Talvez algum desocupado leitor redarguisse: se não existe vá então para o embarque depois da hora determinada. Experimente fazê-lo e não embarcará. Assim, pois, comprovará a existência do tempo.

Respondo: mesmo que não leve a sério o horário de partida, não partindo; uma coisa é certa, todos os instantes que se sucedem, aumentam a distância entre o ocorrido e o tempo presente. O tempo que se deu, é o passado, e já não existe mais. E o mesmo com relação ao presente e ao futuro, pela exposição acima.

Ademais, ser negligente à hora marcada não quer dizer necessariamente que os tempos passado, presente e futuro existam. Parece que o passado, o presente e o futuro não são capturáveis em ponteiros de relógios. De fato, como pois retê-las a fim de que permaneçam, essas realidades para as quais iniciar a existir é idêntico a caminhar para o nada?

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Em terra de samba tudo acaba em batuque

Texto de 07.07.2008.

“A doença espiritual em questão assemelha-se, portanto, à cultura; por isso ela pode ser tanto fonte de fecundidade como ao contrário, expressão da decadência refinada, seja nos povos, seja nos indivíduos.” (Constantin Noica, As seis doenças do espírito contemporâneo).


Segundo notícia do jornal O Globo “artistas” pedem ao MEC apoio para o ensino obrigatório de música nas escolas públicas. Lembro-me de algumas passagens n'A República de Platão em que este autor faz menção à importância da música para formação do ser humano. No entanto vai uma distância muito grande entre o que esse Filósofo pretendia, e o que os signatários dessa proposta pretendem. A música é para alma. Com efeito, diz Sócrates a Adimanto: – “Então que educação há de ser? Será difícil achar uma que seja melhor do que a encontrada ao longo dos anos – a ginástica para o corpo e a música para a alma?” (376, e). E segue que a melodia se compõe de três elementos: as palavras, a harmonia e o ritmo. (398, d). Mais ainda: “... deve ter-se cuidado com a mudança para um novo gênero musical, que pode por tudo em risco. É que nunca se abalam os gêneros musicais sem abalar as mais altas leis da cidade...” (424, c).

Na verdade esse projeto de lei se for concretizado, resultará em mais um modo do “contribuinte” pagar a conta, das muitas que já paga. Pobre “contribuinte”. É mais uma espécie de dor de cabeça nas escolas públicas e privadas. Não duvido que aconteça o mesmo nos colégios, qual aconteceu na reunião com o Ministro da Educação: o batuque; em que ele mesmo, curiosamente, se sentiu motivado a este. É isso música para alma, para o caráter, para formar as mais altas leis da cidade? Tenho cá minhas dúvidas.

A boa verdade é que ali vai mais um projeto demagógico cujo fundamento é menos construir do que transformar através da música nossas crianças. Mas o vencido, na lógica desse (des)governo, fica à mercê do vencedor. E os batuqueiros, contudo, estão animados, pois foi aprovado no Senado e agora a espera de aprovação na Câmara.

No final de alguns anos as nossas crianças estarão aptas a puxar um sambinha de Chico Buarque, a cantar um Caetano, a bater os tambores do olodum sob o comando de Daniela Mercury e a se extasiarem com as composições de Gabriel, "O Pensador". Pobres crianças. Pobre país.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

O livro que mudou a minha vida

Estudando a obra de Santo Agostinho, O Livre-Arbítrio, deparei-me com uma passagem que me chamou realmente atenção: Se não acreditardes não entendereis. Foi compreendendo-a que pude sair do lugar em que me encontrava para outro que estava adormecido em mim.

Com efeito, afastado de minha condição teomórfica, para usar uma expressão utilizada por Eric Voegelin em sua monumental obra Hitler e os Alemães, eu não conseguia acreditar sem antes entender. Era necessário, pois, que eu entendesse para acreditar.

Mutatis mutandis, esse modo de ser parece típico do homem moderno, que tem na ciência o princípio e o fim de todas as coisas. Por isso que do ponto de vista da filosofia moderna, de acordo com Étienne Gilson, “a prova da existência de Deus é uma das ambições mais altas da metafísica; nenhuma tarefa é mais difícil, a tal ponto que alguns a estimam como impossível.” Por outro lado, porém, “para santo Agostinho e para aqueles que mais tarde se inspiraram em seu pensamento, provar a existência de Deus [...] parece uma tarefa tão fácil que basta empenhar-se nisso.”

Então o homem cindido e cheio de si procura no vasto campo de sua experiência encontrar respostas às perguntas que ele faz e se diz por sua vez autorizado em responder. Em outros termos, é uma busca que tem começo nele e acaba nele mesmo. Por isso ser assim, um exame que busque compreendê-lo a partir de sua condição divina se é visto como impossível.

Não querendo desmerecer ninguém, já que não é essa a minha intenção, mas veja a postura de um Auguste Comte, por exemplo. Veja o quanto fora atrevido na pretensão de fazer de sua ciência positiva a atalaia para os séculos vindouros. E de Marx, que era filho de advogado, sustentado pelo amigo Engels, um industrial, que segundo aquele autor este seria o pior tipo de burguês. Ora bem, esta canalhice é ou não fruto de uma falta de Deus. Tenha paciência.

De mais a mais, não falo aqui como se me colocasse conforme um ser onisciente, em absoluto. Falo tão somente para registrar o quanto estava equivocado na minha busca; além de me achar o tal, ainda colocava Deus como objeto de minhas questões mesquinhas. Pobre criatura.

E Santo Agostinho ajudou-me a retornar a Deus, e me ensinou que sem Ele nada posso, nada sou.

Lembro-me, para finalizar, do meu tempo de escola primária e secundária, cresci ouvindo dos meus “professores” que a Idade Média fora o período das trevas em matéria de conhecimento. Oh, horror! Levei algum tempo para descobrir que aquilo que chamam “século das luzes” se afina muito mais às trevas do que à luz.