quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Em terra de samba tudo acaba em batuque

Texto de 07.07.2008.

“A doença espiritual em questão assemelha-se, portanto, à cultura; por isso ela pode ser tanto fonte de fecundidade como ao contrário, expressão da decadência refinada, seja nos povos, seja nos indivíduos.” (Constantin Noica, As seis doenças do espírito contemporâneo).


Segundo notícia do jornal O Globo “artistas” pedem ao MEC apoio para o ensino obrigatório de música nas escolas públicas. Lembro-me de algumas passagens n'A República de Platão em que este autor faz menção à importância da música para formação do ser humano. No entanto vai uma distância muito grande entre o que esse Filósofo pretendia, e o que os signatários dessa proposta pretendem. A música é para alma. Com efeito, diz Sócrates a Adimanto: – “Então que educação há de ser? Será difícil achar uma que seja melhor do que a encontrada ao longo dos anos – a ginástica para o corpo e a música para a alma?” (376, e). E segue que a melodia se compõe de três elementos: as palavras, a harmonia e o ritmo. (398, d). Mais ainda: “... deve ter-se cuidado com a mudança para um novo gênero musical, que pode por tudo em risco. É que nunca se abalam os gêneros musicais sem abalar as mais altas leis da cidade...” (424, c).

Na verdade esse projeto de lei se for concretizado, resultará em mais um modo do “contribuinte” pagar a conta, das muitas que já paga. Pobre “contribuinte”. É mais uma espécie de dor de cabeça nas escolas públicas e privadas. Não duvido que aconteça o mesmo nos colégios, qual aconteceu na reunião com o Ministro da Educação: o batuque; em que ele mesmo, curiosamente, se sentiu motivado a este. É isso música para alma, para o caráter, para formar as mais altas leis da cidade? Tenho cá minhas dúvidas.

A boa verdade é que ali vai mais um projeto demagógico cujo fundamento é menos construir do que transformar através da música nossas crianças. Mas o vencido, na lógica desse (des)governo, fica à mercê do vencedor. E os batuqueiros, contudo, estão animados, pois foi aprovado no Senado e agora a espera de aprovação na Câmara.

No final de alguns anos as nossas crianças estarão aptas a puxar um sambinha de Chico Buarque, a cantar um Caetano, a bater os tambores do olodum sob o comando de Daniela Mercury e a se extasiarem com as composições de Gabriel, "O Pensador". Pobres crianças. Pobre país.

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